Inovação social: a nova forma de resolver problemas difíceis

16/01/2017 20:02

https://www.publico.pt/2017/01/05/politica/noticia/inovacao-social-a-nova-forma-de-resolver-problemas-dificeis-1757131

 

Nos últimos anos, Portugal tem apostado na inovação social — sobretudo ao nível das empresas, das autarquias e do chamado terceiro sector — para resolver problemas que já não têm solução fácil através dos mecanismos tradicionais. Os subsídios não são a única resposta possível para a pobreza, o desemprego, a exclusão social ou o insucesso escolar, e é por isso que, até 2020, o Governo pretende investir 150 milhões de euros (fundos estruturais) para financiar estas soluções inovadoras, sem pôr em causa a função social do Estado.

Entre os exemplos de inovação que o Governo tem dado nas iniciativas organizadas sobre esta matéria há pelo menos cinco que vale a pena conhecer.

Um deles é a Academia de Código Junior, nascida em 2013, que tem como objectivo melhorar o sucesso escolar dos alunos do ensino básico, através da aprendizagem de programação informática. Além de alunos, esta empresa social também dá apoio a desempregados. É o primeiro título português de impacto social em Portugal (os títulos são uma espécie de acções negociadas numa bolsa especial, a Bolsa de Valores Sociais).

Outro é a plataforma digital Patiente Innovation que pretende criar uma rede de partilha à escala global em que os pacientes, e não só, partilham entre si inovações no tratamento de doenças raras.

Speak é mais um dos exemplos de inovação social que o Governo elogia. Em 2015, venceu o Big Impact Award por ter desenvolvido um modelo de inclusão de imigrantes através do ensino de línguas e cultura em cidades por todo o país.

Do Porto vem outra boa prática. Trata-se de Mundo a Sorrir (MaS), uma organização não-governamental criada por um jovem dentista do Porto que trabalha na área da prevenção e tratamento da saúde oral para jovens oriundos de situações económicas desfavorecidas. A MaS também tem protocolos com escolas e venceu o prémio de empreendedorismo social do INSEAD em 2014.

Finalmente, o quinto projecto merecedor de destaque (até mundial) chama-se ColorAdd e implicou a criação de uma espécie de código universal que transforma cores em símbolos, facilitando a inclusão social de daltónicos.

Portugal é líder europeu da inovação social e foi o primeiro país a candidatar projectos nesta área aos fundos estruturais. Quem o afirma é o comissário para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, que ontem esteve reunido com a ministra da Presidência e Modernização Administrativa, em Lisboa. Juntos decidiram que Portugal vai receber, antes do final deste ano, uma conferência internacional para a Inovação Social, uma espécie de Web Summit para as questões sociais onde há lugar para startups, ONG, IPSS e todos os actores desta área.

 

“Decidimos hoje mesmo organizar uma grande conferência internacional sobre inovação social, a realizar em Portugal mais para o final deste ano, em que poderemos apresentar o que foi feito por cá, mas conhecer também outros exemplos do que está a ser feito, não só na Europa mas também noutras partes do mundo, e em que possamos estabelecer um programa de trabalhos para 2018, 2019 e 2020”, disse Carlos Moedas ao PÚBLICO no final do encontro.

A sintonia do antigo secretário de Estado de Passos Coelho com a ministra socialista neste ponto não podia ser maior. “Já somos a casa da Web Summit, queremos ser também uma casa importante para a inovação social, que toca pontos que têm a ver com a inovação em geral, como a inclusão digital”, afirma Maria Manuel Leitão Marques. Moedas acrescenta: “Eu vejo a Europa não como algo punitivo, mas como uma fonte de informação do melhor que se faz e hoje Portugal é líder em termos de inovação social”.

A iniciativa ainda não tem lugar nem data marcada, mas irá colocar Portugal no centro de um sector para o qual o país conta já com um envelope de 150 milhões de euros dos fundos estruturais para projectos nesta área, através de diferentes linhas de capacitação, sejam os títulos de impacto social, as parcerias ou o fundo de inovação social.

Os destinatários destas verbas são as organizações do sector social que estão a nascer, ou que precisam de ganhar escala ou reforçar as suas competências, assim como empresas que tenham produtos ou serviços com impacto social, explica Maria Manuel Leitão Marques, dando exemplos como a Coloradd, uma empresa que desenvolveu um produto para daltónicos.

“Tem é de haver sempre um elemento de inovação, que procure soluções novas mas ligadas a resultados”, sublinha, lembrando que algumas destas linhas de crédito são em primeira linha financiadas por investidores sociais, que só em função dos resultados podem reaver o seu capital e voltar a investir. São os chamados títulos de impacto social e há já casos concretos no país.

“Muitos destes instrumentos financiam soluções que já deram provas de impacto social mas que precisam de um reforço para crescer ou para se replicar, ou mesmo replicar ideias de outros países”, acrescenta.

LabX, testar para inovar

Outro tema de conversa entre Moedas e Leitão Marques foi a inovação no sector público, de que a ministra é especialista reconhecida internacionalmente. “Criamos um laboratório para esse efeito para o sector público para facilitar a vida do cidadão na relação com a administração pública”, referindo-se ao LabX, cuja ideia é “prototipar, experimentar, fazer a prova do conceito como fizemos para com o cartão do cidadão” antes de colocar em prática novos instrumentos de modernização administrativa.

O LabX é um projecto candidato a fundos europeus Horizonte 2020 e está ligado ao LabConections, uma rede de laboratórios semelhantes que há na Europa e na Comissão Europeia, e já tem projectos em curso, como o balcão do óbito ou o balcão do desemprego.

No âmbito da Administração Pública, o Governo deu também sequência aos espaços do cidadão criados pelo anterior executivo para ajudar os mais velhos, com mais dificuldades de acesso ao digital, a ter um espaço online nas juntas de freguesia para acesso aos serviços públicos digitais.

Maria Manuel Leitão Marques lembrou que este processo de modernização administrativa começou em 1999 com as Lojas do Cidadão, um projecto que ganhou prémios internacionais, incluindo três das Nações Unidas, e que atravessou todos os governos. “Houve um momento em que parou um bocadinho mas no final foi retomado, os espaços do cidadão renovaram a ideia do balcão multisserviços e deram-lhe uma outro alento e nós continuamos o projecto sem sequer mexer nos protocolos firmados”, disse.

Na sua opinião, esta política de modernização administrativa “não se faz numa legislatura, tem de ter continuidade”. Também aqui a sintonia é grande entre a ministra e o comissário, que salientou que se trata de uma tarefa, não só dos países, mas também das instituições europeias.

Para a ministra, o reconhecimento internacional destes programas é fundamental porque “Portugal compete no mundo, não apenas pelas suas empresas, pelas exportações e economia, mas também pela administração pública moderna, pela sua capacidade de reduzir custos administrativos para as empresas e para os cidadãos, pela sua capacidade de ser inclusivo e ter uma sociedade socialmente coesa”. Os países também são isso, diz: “A sua qualidade de vida, a segurança, os indicadores de igualdade e a qualidade dos seus serviços públicos”.

Moedas acrescenta mesmo que “conseguir ter serviços públicos que funcionam bem são também uma atracção ao investimento privado, importantíssimo para a economia”. “Quanto mais a eficiência da administração portuguesa for conhecida lá fora, mais investimento pode captar. É um ecossistema que ajuda um país a ser mais inovador e que, ou funciona, ou não funciona”, salienta.